12 de julho de 2009

Razões Para Não Estudar Teologia

Razões Para Não Estudar Teologia

Pr. Marcelo Lemos

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Meu primeiro dia no Seminário, como aluno, foi um dos momentos mais felizes da minha vida. Finalmente, ali estava eu, pronto para penetrar a mente de grandes pensadores da religião cristã como Lutero, Calvino, Wesley, Finney! O que estes homens haviam descoberto nas Escrituras? Onde eles tinham acertado ou errado? Quais contribuições eles haviam nos deixado? Poderíamos somar alguma contribuição às deles?

Podem me chamar de idealista, mas eu estava cheio de esperança e alegria. Acreditava que ali, estaria unindo-me a jovens e adultos que pretendiam fazer a diferença na história da Igreja. E penso que eles desejavam isso. No entanto, logo viriam algumas decepções.

Desapontamentos que não se dissiparam com o tempo. Muito pelo contrário, se agravaram bastante, principalmente nos meus dias de professor de seminário. Não que me tenha sido uma tarefa triste ensinar, o duro foi compreender que muitos estudantes não são capazes de se deixarem ensinar. É uma constatação decepcionante.

Além de idealista, talvez eu seja também presunçoso. Se for presunção acreditar que ser um teólogo é algo mais do que um anel e um diploma na parede, então, aceito a acusação. Se acreditar que ser teólogo é pensar, refletir, questionar, desconstruir e reformar, então, podem somar mais esta imperfeição a minha já longa lista de imperfeições.

Ao ler as próximas linhas, alguém poderá se sentir diante de palavras exclusivamente negativas. Mas não. Por trás de cada um destas negativas, o leitor poderá perceber um apaixonado apelo por uma teologia real, construtiva e relevante. Sem querer minimizar o valor do estudo formal, afirmo que um diploma não é o suficiente para tornar você um teólogo. Ser teólogo não é repetir resumos enlatados em pobres apostilas institucionais; ser teólogo é fazer teologia; ser teólogo é pensar.

Quer vir comigo? Antes de vir, reflita se você está realmente disposto a caminhar neste mundo fascinante, mas, ao mesmo tempo, tão árduo. As observações a seguir são pensamentos gerais, a fim de nos levar a reflexão. Ninguém pode possui tudo o que se espera ou deseja, seja qualquer for sua vocação, entretanto, para não ser apenas mais um ‘anelado’ enfeitando os púlpitos por ai, faz-se necessário, ao verdadeiro teólogo, caminhar uma segunda milha.

Não faça teologia se você é preguiçoso.

Alguns estudantes de teologia alegam que não gostam, ou não sabem escrever. É um quadro triste. Não poucas vezes fui procurado por diversos destes estudantes dispostos a me pagarem até R$ 90,00 por um trabalho de trinta páginas! Eu sei que isso não é privilégio dos estudantes de teologia, é um câncer generalizado no sistema educacional do nosso país. Também conheço estudantes de pedagogia, filosofia, enfermagem que fazem a mesma coisa… Fiz algumas contas e cheguei a seguinte conclusão: se eu passar a aceitar alguns destes trabalhos, em pouco tempo terei um próspero negócio – ilegal, é claro!

A dificuldade que temos para escrever revela um outro mal: a incompetência como leitores. Não conseguimos escrever porque não conseguimos ler. E o pior: segundo algumas pesquisas, mesmo quando o Brasileiro é forçado a ler, ele compreende muito pouco!

Os estudantes de teologia não são piores do que os outros apenas por não gostarem de ler e de escrever. São piores porque escolheram a Teologia. Um verdadeiro teólogo é alguém que defenderá a cosmovisão bíblica como tendo a resposta para as questões ultimas da vida, inclusive para a educação e o progresso histórico. Para tanto, o teólogo precisa não apenas imaginar isso, ele precisa viver isso, lutar por isso, fazer parte disto!

Se existe alguém que tem sobre seus ombros a responsabilidade de reformar a Igreja e a Sociedade a sua volta, este alguém é o teólogo, a menos que ele tenha uma visão muito pobre sobre a cosmovisão cristã. Neste caso, ele fatalmente se alistará àqueles que engrossam as fileiras do exército da religião utilitarista.

Não faça teologia se a sua preocupação precípua é o aplauso.

Ser pentecostal pode ser bem complicado, as vezes… Caso você queira fazer teologia, possivelmente encontrará algumas objeções pelo caminho. Ainda hoje muitos imaginam o saber teológico como sendo algo contrário a uma vida de comunhão e poder espiritual. Todavia, você também encontrará aqueles que o incentivaram, e será recebido por algumas Igrejas que simplesmente se deleitam ouvindo homens de perceptível cultura bíblica.

Ou seja, você enfrentará pedras, e aplausos. Um pouco mais do primeiro, certamente – mesmo que de forma velada, na maioria dos casos.

Todavia, não espere pelos aplausos. Contente-se com as pedras: espere por elas! O motivo é bem simples: caso os aplausos sejam sua razão de ser, rapidamente você sucumbirá ao status quo a sua volta. Então, você perderá a chama da Reforma que deveria incendiar o seu coração a cada nova manhã. Para fazer a diferença, para não ser engolido pela crescente massa de mercadores da religião, você não pode fazer dos aplausos o alvo da sua vida!

Estou certo de que seria muito mais popular caso dedicasse minha vida a pregar o arminianismo, ou então, a divulgar gráficos milaborantes sobre as teorias dispensacionalistas sobre o fim dos dias. Porém, se eu assim fizesse, estaria traindo aquilo que minha fé adquiriu do Senhor. Não estou dizendo que você não possa pregar o dispensacionalismo – isso é algo que depende da sua convicção, não da minha. O que digo é que ao aceitar ou rejeitar alguma coisa, enquanto pregador e teólogo, você deve estar comprometido apenas com a verdade, independentemente das conseqüências de sua ação.

Não faça teologia se você tem coração sectário.

A incapacidade de conviver com quem pensa diferente de nós é algo difícil de ser superado. Não que eu defenda o ecumenismo, não é o caso. O que eu defendo é a catolicidade da fé cristã. Acredito que a fé em Jesus, que é dom de Deus, salva o homem, independentemente da denominação, ou das doutrinas distintivas que ostente – desde que tais distintivos não anulem o Evangelho. Em outras palavras, recebo como irmãos em Cristo, todo aquele que não nega as doutrinas fundamentais expostas nos credos historicamente aceitos pela Igreja.

Tenho visto arminianos que negam a salvação a calvinistas, e muito mais calvinistas que negam a salvação aos arminianos. Parece que alguns pertencentes aos dois grupos se vêem como inimigos, e não como irmãos. É evidente que se o arminiano está certo, o calvinista esta errado; ou, do contrário, o calvinista está certo e o arminiano errado. Porém, qual o meio que ambos usam para chegar a Deus? A fé? Se a resposta é sim, onde está o impedimento?

Infelizmente, parece que abraçamos uma espécie de “gnosticismo confecional”. A doutrina gnostica defendia que a salvação do homem está condicionada a certo conhecimento que se deveria obter. O homem, segundo tal doutrina, é salvo com base no conhecimento que possui. O Evangelho, porém, não fala de uma salvação condicionada ao conhecimento, mas condicionada a fé. Este é o todo o conhecimento necessário: que Cristo morreu por nós quando ainda erramos pecadores.

Ora, acabo de me contradizer, pois afirmo que a fé é o ‘único conhecimento necessário’, logo depois de afirmar que o Evangelho ‘não fala de uma salvação condicionada ao conhecimento’. Vou, então, tentar ser mais claro: não somos salvos pela confissão de fé distintiva desta ou daquela Igreja, somos salvos pela confissão de fé em Jesus! Se há algum conhecimento necessário é que Jesus veio ao mundo salvar pecadores.

Não faça teologia se você pensa que isto lhe trará dinheiro.

Você dificilmente ficará rico através da teologia, a menos, claro, que sua teologia seja a da prosperidade, ou algo semelhante… Se você quer ficar rico por meio da religião, eu lhe indicaria outros caminhos,

* Você pode começar a contar uma história excepcional de livramento ou milagre. Neste caso você provavelmente dará inicio a um prospero ministério de ‘curas e milagres’, que atrairá a si multidões enormes de pessoas das classes C e D.

* Você também poderia montar um grupo de louvor e adoração. É aconselhável que se apresentem como ‘levitas’, e não se esqueçam de relatar alguma experiência excepcional por meio do que você foi vocacionado pelo Senhor a conquistar o Brasil para Jesus. Não se esquecendo de tais detalhes você poderá até cantar diversas heresias, mas a ‘áurea’ de ‘ungidos’ te protegerá de toda critica, tornando seu ministério inabalável.

* No caso de você ser assembleiano é aconselhável que você faça uma boa propaganda quanto aos seus dotes de ‘conferencista internacional’, ou de sua vocação para ‘promotor de avivamento’. É quase infalível. Se for uma pessoa carismática, poderá ganhar alguns milhares de reais por cada noite de pregação. Caso seja apenas uma pessoa corajosa, mas sem muito carisma e charme, ainda assim poderá ganhar uns duzentinhos por cada noite de pregação.

* Você além tiver vocação para a pilantragem, existe um caminho que é também quase infalível – faça macumba gospel. Se no seu bairro ainda não existe alguém que faça, seja o pioneiro; todavia, se prepare para a concorrência que logo te dará dores de cabeça. Por isso, tenha na manga uma boa lista de ‘rituais’ impactantes: tapetes de fogo, diploma de dizimista, água benta (que você poderá ‘envagelicar’ chamando por ‘água ungida’), rosa ungida, cajado de Moisés, bolo da multiplicação, óleo de mirra, óleo de Israel, fogueira santa… E para fechar a semana com chave de ouro, não se esqueça nunca de levar os pedidos de oração para o monte, a fim de queimá-los perante a face do Senhor.

* Você pode criar uma seita honesta. Que é uma seita honesta? É aquela que assume que é seita, e não quer obrigar ser considerada evangélica – entendeu? Algumas seitas são financeiramente bem sucedidas; não abra mão desta possibilidade antes de tomar sua decisão final.

Penso que o ideal é que o teólogo, e também o pastor, seja duplamente vocacionado. Há muitas vantagens aqui. Uma delas é tirar dos ombros das Igrejas locais o ônus de bancar integralmente o custo de um ministro ordenado: principalmente no caso de Igrejas históricas, já que no pentecostalismo clássico, não há ministros assalariados em Igrejas locais, exceto raríssimas exceções. Mas, em ambos casos, ministros com dupla vocação seriam de grande utilidade para a Igreja, recebendo da Igreja apenas uma ajuda de custo devido suas atribuições ministeriais.

Não faça teologia se você não tem amor pelo ensino, ou pela pregação.

Não há razão de ser um teólogo que não ensina, seja lecionando, seja pregando. Parece-me que muitos gostam de ostentar ‘anel’, e poucos se dedicam à tarefa para a qual foram treinados. É comum sabermos de pessoas que estão estudando teologia e que na pratica continuam professores e pregadores superficiais. Para mim, tal atitude significa desprezo pelo ensino. Se já me decidi por ser um pregador superficial toda a vida, então, qual o motivo para estudar teologia? Ah! Sim! Já ia me esquecendo… o anel!

No banco do seminário teológico, espera-se que o estudante conheça a exegese, e hermenêutica, a homilética, a gramática grega… Porém, quando este mesmo estudante sobe no púlpito ele continua discorrendo sobre “10 Passos Para a Vitória!”. Falta-lhe ainda amor ao ensino, falta-lhe compromisso inabalável com simplicidade do Evangelho.

No caso da pregação, eu sempre aconselho o jovem a não desejar ser um grande pregador, já que tal ‘status’ está forçosamente associado a demonstrações de carisma, poder pessoal e emocionalismos. Antes, aconselho-os, assim como aconselho a mim mesmo, a desejar ser apenas um porta-voz fiel da mensagem bíblica. É aqui que se encontra a essência do ministério da pregação. Se o pregador desce do púlpito com a certeza de ter sido fiel ao que Deus revelou em sua Palavra, não importa como a Igreja recebeu sua mensagem! Claro que nos dedicamos a tornar nossa fala tecnicamente agradável, além de cativante e relevante, porém, jamais as custas da fidelidade a palavra de Deus!

Conheço um jovem pregador chamado Talles. Trata-se, posso dizer francamente, do ‘melhor amigo’ que tenho, numa amizade que já dura mais de uma década. Nos últimos anos tenho aprendido apreciar este homem de Deus como um pregador fiel das Escrituras, mesmo que possamos divergir quanto a algumas doutrinas. Jamais vi, não que me lembre, uma Igreja ‘vir a baixo’ numa pregação do Talles. Com efeito, as pessoas não fazem ‘aviãozinhos’, nem caem ‘arrebatadas’ quanto ele expõe as Escrituras. Todavia, enquanto ele prega, eu olho para o rosto delas e as vejo compreendendo o que ouvem, e sucumbirem diante da clareza das Escrituras.

Tudo que Talles faz é: ler o texto Bíblico, normalmente um trecho dos Evangelhos; em seguida ele explica o texto e, então, aplica o texto a vida da Igreja. Talvez você possa estar pensando: “Só isso?!”. Mas, isso é tudo que importa. Isso é pregar o Evangelho. E é tudo que você, enquanto pregador ou teólogo, precisa buscar.

Minha esposa costuma dizer que eu penso muito no futuro, e que isso pode ser ruim. Quando nos casamos eu disse a ela: “Em dois anos quero um filho, pois não pretendo assistir a adolescência do meu filho sentado na arquibancada: quero jogar bola com ele!”. Sei que ela está certa, e que o futuro será sempre uma surpresa. Por experiência própria, e tantas vezes em meio a dor, tenho aprendido que o futuro simplesmente acontece. Porém, não consigo evitar refletir quanto o poderá vir, e como nos preparar para o amanhã.

Quando penso no futuro da Igreja sinto uma pontinha de desconforto. É possível que neste tempo exista mais teólogos e estudantes de teologia, do que em todas as épocas anteriores somadas justas. Porém, nunca vimos tanta superficialidade e tolice. Que legado deixaremos para a Igreja do futuro? Temo que os cristãos bíblicos do amanhã, olhem para nossa geração e digam: “Vejamos o que não devemos fazer!!”.

Apostasia e reforma; nova apostasia, nova reforma. Temos a impressão de que tais ciclos se repetem de tempos em tempos ao longo da História da Igreja. De qual lado estamos? Te convido a fazer parte do grupo que não abre mão da simplicidade do Evangelho de Jesus…

Paz e bem.

Publicado em Amenidades

9 de julho de 2009

O Conteúdo da Escritura

O Conteúdo da Escritura


por William Perkins (1558-1602)

As Escrituras se dividem entre o Antigo e o Novo Testamento. O Antigo Testamento é a primeira parte da Escritura. Escrito pelos profetas em hebraico (com algumas passagens em aramaico), ele predominantemente desenvolve o ‘velho pacto’ das obras (“Moisés e os profetas”, Lc. 16:29). “E, a começar por Moisés e todos os profetas, ele lhes expôs em todas as Escrituras aquilo que dizia respeito a si mesmo” (Lc. 24:27). Divide-se em sessenta e seis livros que podem ser: históricos, doutrinários ou proféticos em seu gênero.

O Antigo Testamento

Livros Históricos

Os livros históricos registram histórias de certos eventos que aconteceram, ilustrando e confirmando a doutrina que é exposta em outros livros: “Ora, todas essas coisas aconteceram a eles como se fossem exemplos, e foram escritas para nossa admoestação” (1Cor. 10:11); “Pois todas as coisas que foram escritas anteriormente foram escritas para o nosso aprendizado” (Rom. 15:4). São quinze os livros históricos:

1. Gênesis é um relato da criação, da queda, da primeira promessa de salvação e do estado da igreja preservada e mantida no contexto de famílias privadas.

2. Êxodo é um relato da salvação dos israelitas contra os egípcios. Descreve o êxodo, a transmissão da lei e o tabernáculo.

3. Levítico registra a regulação do culto cerimonial.

4. Números é um relato da atividade militar do povo na terra de Canaã.

5. Deuteronômio é um comentário que repete e que explica as leis que figuram nos livros anteriores.

6. Josué descreve a entrada na terra de Canaã sob a liderança de Josué, bem como a tomada de posse dessa terra.

7. Juízes é um registro da condição corrupta e incorrigível da igreja e da comunidade de Israel desde os dias de Josué até o período de Eli.

8. Rute relata os casamentos e a posteridade de Rute.

9. 1Samuel e 2Samuel registram eventos nos dias dos sacerdotes Eli e Samuel durante os reinados de Saul e de Davi.

10. 1Reis e 2Reis narram o que ocorreu nos dias dos reis de Israel e de Judá.

11. 1Crônicas e 2Crônicas contêm uma história sistemática da origem, da ascensão e da queda do povo de Israel, e ajudam a rastrear e a explicar a linhagem de Cristo.

12. Esdras contém um relato do retorno do povo do cativeiro na Babilônia e do começo da reconstrução da cidade de Jerusalém.

13. Neemias descreve a reconstrução da cidade que, até então, estava inacabada.

14. Ester é uma história da preservação da igreja judaica na Pérsia mediante a ação de Ester.

15. Jó é uma história que investiga as causas de suas provações e conflitos diversos, com desdobramentos eventualmente felizes.

Livros Doutrinários

Os livros dogmáticos ou doutrinários são aqueles que ensinam e prescrevem as doutrinas de nossa teologia. Há quatro desses livros no Antigo Testamento:

1. Salmos contém canções sacras adequadas a toda condição da igreja e seus membros individuais, redigidas para serem entoadas com graça no coração (Col. 3:16).

2. Provérbios serve de um manual de conduta cristã e nos ensina sobre a piedade em relação a Deus e sobre justiça em relação ao próximo.

3. Eclesiastes revela a falta de sentido nos prazeres humanos, caso sejam experimentados à parte do temor a Deus.

4. O Cântico dos Cânticos é uma descrição alegórica do relacionamento entre Cristo e a igreja em termos de uma relação entre um noivo e sua noiva, ou marido e mulher.

Livros Proféticos

Os livros proféticos contêm certas previsões, tanto dos juízos de Deus sobre os pecados do povo, quanto do resgate da igreja a ser finalmente completado com a vinda de Cristo. Essas previsões dos profetas são repletas de convocações ao arrependimento. Elas quase sempre apontam para a o consolo encontrado em Cristo por aqueles que se arrependem.

Era uma característica dos profetas ajudar a memória e a compreensão de seus ouvintes ao registrar resumos de sermões que haviam pregado em maior extensão: “Além disso o Senhor me disse, toma um grande rolo e escreve nele com uma caneta de homem” (Is. 8:1); “Escreve a visão e torna-a clara em tábuas, para que a possa enxergar quem passa a correr” (Hab. 2:2).

Os livros proféticos são geralmente descritos como ‘Maiores’ ou ‘Menores’. Os profetas ‘Maiores’ registram em detalhe aquelas coisas previstas. Incluem as profecias de Isaías, Jeremias, Ezequiel e Daniel. Também estão incluídas as Lamentações de Jeremias, que exprimem a miséria dos judeus durante o tempo da morte de Josias. Os profetas ‘Menores’ lidam de forma mais breve ou com menos detalhe com as coisas previstas para o futuro, ou com algumas dessas coisas pelo menos. São eles: Oséias, Joel, Amós, Obadias, Jonas, Miqueias, Naum, Habacuque, Sofonias, Ageu, Zacarias e Malaquias.

Esse, então, é o Antigo Testamento.

O Novo Testamento

O Novo Testamento é a segunda parte da Escritura. Seu conteúdo foi escrito em grego pelos apóstolos, ou ao menos aprovado por eles (Cf. “edificados no fundamento dos apóstolos e profetas”, Ef. 2:20). Expõe claramente os ensinos da nova aliança. Pedro aprovou o Evangelho de Marcos, tendo-o encomendado para João Marcos e servido de fonte, conforme a tradição da igreja primitiva relata. E o evangelista João, por sua vez, aprovou o Evangelho de Lucas. A opinião que Eusébio registra, segundo a qual duas passagens nas cartas de Paulo (2Tim. 2:8 e Rom. 2:16) sugeririam que foi ele o autor desse Evangelho, é fraca. Nesses versos Paulo não fala do evangelho como um livro, mas sim de seu ministério como um todo, visto que acrescenta: “pelo qual sofro com problemas como um criminoso, até mesmo com cadeias” (2Tim 2:9).

O Novo Testamento contém histórias e cartas.

Histórias

1. Os quatro Evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João contêm uma narrativa da vida, atos e ensinamentos que Cristo mostrou ao mundo, abrangendo o período de sua concepção até a sua subida ao céu. Desses quatro autores, dois foram testemunhas oculares e ouvintes imediatos e, assim, isso reitera a veracidade do relato.

A diferença entre os Evangelhos pode ser vista da seguinte forma: Mateus provê um relato claro das doutrinas que Cristo ensinou. Marcos conta a história de forma breve, embora seu Evangelho não seja um mero resumo de Mateus, ao contrário do que pensava Jerônimo, pois começa com o relato de forma distinta, e segue uma ordem diferente, lidando com algumas coisas de modo mais geral, além de inserir material novo. Lucas teve como objetivo fornecer uma história precisa, e descreve os eventos numa certa ordem. João se preocupa quase que exclusivamente com a demonstração da deidade de Cristo e dos benefícios que disso podemos tirar.

Jerônimo distinguiu um evangelista do outro por conta de suas diferentes abordagens. Ele diz que Mateus é como um homem, porque começa com a humanidade de Cristo. Marcos é como um leão, porque começa com a pregação de João Batista, semelhante ao rugido de leão. Ele compara Lucas a um boi, porque começa com o sacerdote Zacarias a oferecer seu sacrifício. E João é comparado a uma águia, pois é como se voasse pelas alturas, ao começar com a deidade de Cristo.

2. Atos dos Apóstolos é uma história bem organizada que registra o trabalho de Pedro e, mais particularmente, de Paulo. Também ilustra o governo da igreja primitiva (Cf. 2Tim. 3:10).

3. Apocalipse é uma história profética sobre a condição desde a igreja na época em que o apóstolo João viveu até o fim do mundo.

Cartas

Quanto às cartas, treze delas são de Paulo e cobrem os seguintes temas:

1. Romanos: justificação, santificação e os deveres da vida cristã.

2. 1Coríntios: reformando os abusos da igreja em Corinto.

3. 2Coríntios: a própria defesa de Paulo, bem como de seu apostolado, contra seus oponentes.

4. Gálatas: justificação pela fé sem as obras da lei.

5. Efésios, Filipenses, Colossenses, 1Tessalonicenses, 2Tessalonicenses: confirmam as igrejas no ensino e nos deveres da vida cristã.

6. 1Timóteo e 2Timóteo: prescrevem a forma de organização correta para a igreja.

7. Tito: ordena a igreja em Creta.

8. Filemom: a recepção ao escravo fugido Onésimo.

Hebreus lida com a pessoa e com os ofícios de Cristo e descreve o caráter da fé que produz fruto em boas obras.

Tiago explica as boas obras que devem acompanhar a fé.

1Pedro e 2Pedro lidam com a santificação e com as obras da nova obediência.

1João explica os sinais de uma comunhão com Deus.

2João foi escrito “à senhora eleita” e trata da perseverança na verdade.

3João, endereçada a Gaio, trata da hospitalidade e da constância na prática do bem.

Judas enfatiza a constância na fé contra a influência de falsos profetas.

São esses, então, os livros que pertencem às Escrituras canônicas.

O Cânone da Escritura

Há forte evidência que demonstra que somente esses livros, e nenhum outro, constituem a Palavra de Deus. Um tipo de prova nos possibilita saber disso, e outro tipo dá expressão ao fato. O primeiro tipo é singular e consiste no testemunho interno do Espírito Santo falando nas Escrituras, não somente a um indivíduo em seu coração, mas também na persuasão de que esses livros da Escritura são a Palavra de Deus. “Meu Espírito está sobre vós e minhas palavras que tenho colocado na vossa boca não partirão dela (…), desde agora e para sempre” (Is. 59:21).

A forma como somos persuadidos é a seguinte: o eleito, tendo o Espírito de Deus, primeiramente discerne a voz de Cristo a falar nas Escrituras. Depois, aprova a voz que discerne – e, naquilo que aprova, também crê. Finalmente, ao crer, é, por assim dizer, selado com o selo do Espírito. “Em quem também, tendo credo, fostes selados com o Santo Espírito da promessa” (Ef. 1:13).

É verdade que a igreja é capaz de testificar a respeito do cânone da Escritura, mas ela não pode persuadir-nos internamente de sua autoridade. Se assim fosse, então a voz da igreja teria maior força que a voz de Deus, e todo o estado de salvação do homem dependeria de homens, o que seria uma grande desgraça.

Algumas objeções tem sido levantadas contra essa visão pela Igreja Romana:

Objeção 1: A Escritura é em si mesma a Palavra de Deus, mas isso não nos é claro exceto mediante a arbitragem da igreja.

Resposta:

(i) Isso é um contraste irrelevante. A primeira parte mostra a forma como a Escritura é a Palavra de Deus (isto é, em si mesma, como inspirada por Deus); a segunda parte mostra não a forma, mas a pessoa a quem ela é a Palavra de Deus.

(ii) A Escritura testifica a si mesma com o tipo de testemunho que é mais exato que qualquer juramento humano. Pois temos a voz do Espírito Santo falando nas Escrituras, o qual também opera em nossos corações uma persuasão completa sobre sua inspiração, quando a ouvimos, lemos e sobre ela meditamos. Não cremos em algo somente porque a igreja diz que se deve crer, e sim, cremos porque o que a igreja diz já foi dito, antes de tudo, na Escritura.

Aliás, a igreja não se sustenta, e nem mesmo se pode imaginar sua existência, à parte da fé. E a fé não existe à parte da Palavra. Somente a Palavra é a regra ou objeto da fé, e não a opinião de meros homens, ainda que sejam santos homens.

(iii) A pessoa que duvida das Escrituras também duvidará do testemunho da igreja.

Objeção 2: A igreja tem um papel adequado a desempenhar no exercício de seu juízo ao deliberar sobre tais assuntos. Por isso a carta enviada ao concílio especial dos apóstolos e anciãos em Jerusalém coloca os seguintes termos: “aprouve ao Espírito Santo, e a nós” (At. 15:28).

Resposta:

(i) A soberania ou juízo supremo nos assuntos da fé é prerrogativa do Espírito Santo falando nas Escrituras. O ministério do juízo (ou juízo ministerial) é concedido à igreja somente porque ela deve julgar segundo as Escrituras. Mas, porque ela nem sempre faz assim, ela vez por outra erra.

(ii) Os apóstolos estavam presentes no concílio sediado em Jerusalém. Eles eram homens em cuja autoridade se deveria crer por si só. Mas o ministério da igreja não possui mais tal autoridade imediata.

Logo, a prova de declaração ou de testemunho que a igreja dá a respeito da Escritura não demonstra ou nos persuade que ela é a Palavra de Deus. Apenas lhe testifica e, de várias formas, aprova o verdadeiro cânone. Ainda assim, são várias as facetas dessa prova:

Primeiramente, existe o reconhecimento perpétuo da igreja em relação às Escrituras. Isso tem início com os crentes no período do Antigo Testamento, a quem foram confiados “os oráculos de Deus” (Rom. 3:2). Continua no Novo Testamento e na igreja:

(a) Mediante Cristo e os apóstolos, que citaram testemunhos desses livros.

(b) Dos Pais da Igreja: Orígenes, Melito de Sardes, Atanásio, Cirilo, Cipriano, Rufino, Hilário, Jerônimo, Epifânio, Gregório e assim por diante.

(c) Dos Concílios de Nicéia e de Laodicéia.

Em segundo lugar, há o reconhecimento parcial de pensadores pagãos e mesmo de inimigos da fé que coisas semelhantes às ensinadas na Sagrada Escritura, tais como Homero, Platão, Josefo, Lactâncio, Cícero, Virgílio, Suetônio, Tácito e Plínio, dentre outros.

O terceiro fator é a antiguidade da Palavra. Ela contém um registro da história humana desde o começo do mundo. Em contraste, as histórias seculares mais vetustas não foram escritas antes do tempo de Esdras e de Neemias, que viveram no século quinto antes de Cristo.

Quarto, a origem da Escritura é confirmada pelo cumprimento de profecias, tais como a vocação dos gentios, o anticristo e a apostasia dos judeus.

Quinto, há uma substância nos ensinos da Escritura: o único Deus verdadeiro, a verdadeira forma de adoração a Deus, e a verdade de que Deus é o Salvador.

Em sexto lugar, a harmonia de todas as diferentes partes da Escritura.

Sétimo, a forma notável como as Escrituras têm sido preservadas através de todas as eras de perigo e tempos de revolta geral pelos quais a igreja tem passado.

Oitavo, o efeito da Escritura: converte pessoas e, mesmo sendo completamente oposta ao seu pensamento e desejo, ganha-as para si.

Em nono lugar, a simplicidade de suas palavras está repleta da majestade de Deus.

Finalmente, o fato de os autores sacros não terem escondido sua própria corrupção em seu registro, apesar de Moisés se elogiar, chamando-se de o mais humilde de todos os homens. O fato de ele indicar tanto virtudes quanto defeitos é mais um argumento para crer que esses autores foram direcionados pelo Espírito Santo. Cristo, descrito nos Evangelhos, claramente reivindica ser o Filho de Deus, e um com o Pai. Ele direciona toda a glória de Deus a si mesmo. Se essa alegação não fosse correta e verdadeira, Cristo teria sentido a ira de Deus como Adão e Herodes sentiram ao tentar se tornar como Deus. Mas o que, de fato, aconteceu foi que Deus vingou sua morte contra Herodes, os judeus, Pilatos e os imperadores que perseguiram a igreja.

São esses, então, alguns indícios da origem divina da Escritura. À luz dessas coisas, fica claro também que o Livro de Tobias, a Oração de Manassés, o Livro de Judite, o Livro de Baruque, a Epístola de Jeremias, os acréscimos a Daniel, o Terceiro e o Quarto Livros de Esdras, os acréscimos ao Livro de Ester, 1Macabeus, 2Macabeus, o Livro da Sabedoria, e o Eclesiástico não devem ser reconhecidos como parte do cânone pelos seguintes motivos:

1. Não foram escritos pelos profetas.
2. Não foram escritos em hebraico.
3. No Novo Testamento nem Cristo nem os Apóstolos apelam ao testemunho desses livros.

Eles incluem falsas doutrinas que contradizem as Escrituras.

Tradução: Lucas Freire

Fonte: Capítulo 3 do livro The Art of Prophesying

Via :site monergismo